A BRUXA DA CASA AO LADO
Capítulo I – A Rua
Sempre brinquei muito na rua, e a rua
da minha casa era especialmente divertida.
Éramos alguns grandes amigos e
aprontávamos todas no meu quintal. Árvores viravam navios piratas, e com ele
viajávamos o mundo, com a vantagem de ter sempre uma goiaba para matar a fome
entre uma tormenta e outra. Moitas viravam florestas profundas, de onde resgatávamos
das garras de tribos canibais, amigos que haviam se tornado reféns ao procurar
um tesouro perdido. Um bambuzal virava um labirinto que nos levaria a lugares
fantásticos, cheios de árvores de marshmalow e lagoas de chocolate, com
pedrinhas crocantes e espuma de morango.
Estávamos sempre envoltos em muitas
aventuras e sensações. O cheiro de uma mimosa[1], o
gosto azedo e delicioso dos morangos que colhíamos ainda verdes, o ploct de uma
jabuticaba muito preta, os vários tombos e arranhões que as árvores e pedras
nos proporcionavam, a maciez das folhas e a aspereza das árvores, o cheiro de
terra molhada, o calor de um dia de verão e o frescor do orvalho, isso tudo nos
preenchia e instigava.
E havia ainda a rua. Ah, a rua era mágica.
Estreita e toda florida. Cheia de árvores, de onde colhíamos mangas, carambolas
e jabuticabas. E pulávamos corda, jogávamos bola, queimada, bete-ombro[2] e
brincávamos de esconde-esconde e pique-pega.
E ali bem pertinho morava A BRUXA DA
CASA AO LADO. Era uma casa de madeira, muito velha, pequena e com a pintura
descascando, as janelas, também de Madeira, eram azuis, assim como a estreita
porta da frente. Do telhado saía uma pequena chaminé que parecia estar sempre a
soltar uma fumaça preta e com cheiro estranho. No jardim, havia algumas flores
desbotadas, roseiras mal cuidadas com algumas poucas flores vermelhas e brancas
com muitos espinhos, parecendo despetaladas. Havia também duas árvores quase
secas, com apenas uma ou duas folhas quase verdes, penduradas em seus galhos. Confesso
que gostava delas, as achava bonitas assim, retorcidas e certamente com muitos
anos de vida, imaginava quantas pipas já haviam se prendido em seus galhos e se
algum dia já haviam sido frondosas, verdes e mais vivas.
A bruxa, a gente quase não via.
Sabíamos apenas, que tinha uma horta e vendia temperos para nossas mães. Uma ou
duas vezes tive eu mesma que ir comprar uns para a minha, com um medo que nem
sei como descrever. Só a víamos nestes dias e quando saia para comprar alguma
coisa, o que não acontecia muito. Sempre com aquele andar vacilante e um xale
verde nas costas, estivesse frio ou não, e com sua sacola vermelha que,
desconfiávamos, carregava os ingredientes para seus feitiços.
Volta e meia caía uma bola ou uma
pipa nossa em seu quintal, mas tínhamos medo de pegar de volta e a brincadeira
acabava por ali. Sempre me perguntei o que acontecia com aquelas coisas
perdidas, pois não as víamos mais no quintal e nem a víamos pegá-las. Era um
grande mistério para nós, assim como seu nome: nunca soubemos. Minha mãe a chamava de
Dona Coisinha e não me lembro de ter ouvido alguém chamá-la de outro nome.
Isso até aquele dia.
Eu voltava da escola, como sempre,
pelos trilhos da ferrovia, catando pedrinhas e jogando no córrego que passava
ao lado.
Assim, meio andando, meio saltitando
– era assim que eu andava – seguia meu caminho até que, quase em casa, esbarrei
com a Dona Coisinha. Dei um pulo pra trás, tropecei e quase caí no córrego. Ela me fez
uma careta, o que me deu mais medo ainda e veio em minha direção. Meu coração
parecia sair pela boca e quase não consegui me mexer do lugar. Então ainda com
a careta ela me estendeu sua mão e me ajudou a ficar de pé. Só então percebi que a
careta era um sorriso – era como ela sabia sorrir – mas ainda desconfiada
esperei-a dizer alguma coisa.
- Olá minha filha, será que você pode
me fazer um favor? - Disse ela
- Ahnhã! - Foi só o que consegui
dizer
[1] Conhecida como mexerica e tangerina em outros lugares do Brasil,
chama-se mimosa no sul do país.
[2] Tipo de jogo onde jogam quatro jogadores, que
formam dois times de dois. Cada time possui uma casinha feita com três gravetos
equilibrados e um taco, e os participantes se revezam como lançadores atrás do
rebatedor adversário ou rebatendo a bola. O objetivo é derrubar a casinha do
adversário, lançando a bola diretamente para ela, acertando-a ou pegando a bola
que foi rebatida pelo adversário, e acertando-a, antes que ele complete,
correndo, ida e volta entre as casinhas.
- Ah, hã! - Foi só o que consegui dizer
3 comentários:
Me deu vontade de ler tudinho....e agora.......?Como vou conseguir?
Calma... logo, logo, este ano ainda, o livro todinho será lançado e vc terá a chance de ler todo o resto. Que bom que gostou!!! Fico feliz.
Gostei do blog, Mariana... Dos textos. Muito bom o texto em que V. se apresenta ("Eu"). Imagem rica, bonita, a do sorriso de Dona Coisinha, que o medo mostrava a V. como careta. Vá em frente!
Abraço.
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